sábado, 23 de janeiro de 2016

OS CINQUENTA TONS DE VIDA


E, de repente, você abre os olhos e percebe que se passaram 50 anos. Desesperada, corre para o espelho e nele procura a criança levada, a adolescente sonhadora, a jovem romântica que tão vividamente ainda habitam em você a despeito do que diz a impiedosa imagem refletida.
Num ímpeto, todas elas querem gritar, dizer que ainda estão vivas e que suas traquinagens só fizeram se tornar mais ardilosas, seus sonhos mais audaciosos, seu romantismo, ainda mais pueril.
Há tanto que não mudou! E talvez por isso a imagem do espelho que insiste em nos desmentir nos seja tão agressiva, tão temida, tão injusta...
Por outro lado, quantas transformações! Quantas personas deixadas pra trás nos bailes de máscaras em que um dia aceitamos dançar.
Ao que parece, somos a exata medida entre a essência que mantemos de nós mesmos e o vir a ser daquilo que ousamos transformar. Talvez nossa tarefa na vida seja apenas a de diferenciar o que deve ser mantido do que precisa ser transformado em nós mesmos. Sob quais tons decidimos orquestrar nossa vida.
Envelhecer positivamente não é tão simples quanto a enjoativa onda do “politicamente correto” procura nos fazer acreditar por meio de estúpidas denominações como “melhor idade”.
Existem perdas. E negá-las costuma ser tão doentio quanto entregar-se a elas. Mas também existem os ganhos e são eles que nos ajudam a lidar com a legítima dor de olhar para o espelho e enxergarmos uma imagem tão distinta daquilo que sentimos em nosso coração.
Hoje, como diria Kundera, “a felicidade de ser festejada supera em mim a vergonha de envelhecer”.
E assim comecei o discurso que fiz em minha festa de 50 anos. Uma festa que, antes de tudo, foi uma festa de agradecimento; e por isso jamais poderia ter sido trocada por uma viagem que faria sozinha para algum lugar bacana do mundo. Naquele momento, o lugar da festa foi o mais bacana do mundo. Porque lá estavam as pessoas que fizeram a história desses 50 anos. Pessoas que me viram nascer, que chegaram depois, que sempre estiveram e que permanecerão comigo para além do provável. Sou tão grata a todos eles!
Sou grata também àqueles que ficaram no meio do caminho. Aos que dolorosamente percebi não fazerem mais parte, não quererem pertencer. Como se já não coubessem mais no meu mundo. Sempre dizemos que, no relacionamento homem/mulher, as pessoas precisam crescer juntas para a sobrevivência da relação.
Esquecemos que o mesmo acontece com alguns amigos e até familiares. Falsos amigos, diriam os mais objetivos. Discordo. Foram pessoas importantes na minha história, pessoas que me acolheram, me acompanharam e ajudaram a tecer a teia do que hoje sou.
No meu discurso de aniversário, no qual fiz questão de agradecer individualmente a cada um dos que estavam presentes, não os agradeci. Não haveria sentido fazê-lo. Respeitei seu desejo de se manterem afastados do lúdico. Mas sei que reconheço sua importância nas várias nuances desses meus cinquenta tons de vida.
Às vezes é preciso abrir mão... Dar adeus ao que parte, dando espaço àquilo que chega. Exultar-se pelas chegadas sem apegos. É assim que o coração se enche de alegria e que tudo na vida da gente passa a valer a pena.


 Lilian Graziano







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