quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Como é que se ri?


- Como é que se ri? – perguntou, de repente, com aqueles olhos grandes me fitando.
- Como assim?- tentei desviar.
- Você, sabe, como é que se ri? De repente, os músculos movimentam o rosto? O que vem antes do riso, algum sentimento?
- Não tem fórmula para isso. Você vê algo engraçado, sente que aquilo é divertido e então você dá risada.
- Mas, isso é gargalhada. Tem gente que ri sem ver nada engraçado.
- Às vezes a pessoa ri porque está feliz. Ela sente-se bem com a vida, então sorri. Ou porque sentiu algo que a tocou de maneira diferente. Não tem como explicar isso, Maria. As pessoas simplesmente sorriem.
(A menina ficou parada, pensando, com as pernas finas balançando sobre a maca. Coçou o rosto e então pareceu entender tudo).
- Rir é como chorar, então?
- O quê?
- Você sabe, quando não se tem motivo para chorar, o dia está agradável, tem comida na sua casa, ninguém está gritando com você, tudo está indo muito bem. Mas, do nada, você sente aquela dor dentro do peito, como se o seu coração estivesse sendo esmagado. Então, você chora, sem motivo. Só para aliviar e colocar para fora o que tem dentro de você. Mas, o choro, tem que ser escondido, porque ninguém gosta de pessoas tristes. Já, o riso pode vir entre as pessoas. Gente feliz é bem vinda no mundo.
- Às vezes, a gente também ri de tristeza, Maria. Para disfarçar a vontade de chorar.
- Todo mundo fica disfarçando as coisas. É muito difícil viver nesse mundo. Acho que eu nunca ri, só gargalhei. Não sei se posso rir de mentira.
- Quando você ficar mais velha, vai rir mais de mentira do que de verdade. É assim que suportamos a vida. Rindo de misérias.
A menina balançava a cabeça em tom de desaprovação. Eu entendia suas questões, seria bem mais fácil se todas as vezes que ficássemos tristes, chorássemos, e quando ficássemos felizes, sorríssemos. Mas, o mundo dos adultos era mesmo esse fingir sem parar: fingir que se está bem, fingir que se está feliz com o emprego ruim, com as horas que nos falta para vivermos, com o dinheiro que não chega nunca e com a necessidade interminável de termos cada vez mais dinheiro para, enfim, podermos ter cada vez menos tempo para gastá-lo. Vamos fingindo que somos felizes com as nossas vidas, até acreditarmos naquele riso oco e ácido que corrói nossa pele e fica estampado em nossas caras: somos todos bobos sorridentes. Deveríamos era chorar.
-drika.amaral


Nenhum comentário:

Postar um comentário