quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Kintsugi


Kintsugi e a arte de consertar um amor

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Uns dias atrás, devido ao vórtex do YouTube — quando você começa vendo um clipe de uma música e termina 2 horas depois aprendendo a abrir uma garrafa de champagne com uma espada — descobri a antiga arte do Kintsugi.

Kintsugi é uma arte japonesa de reparar cerâmicas. Reza a lenda que ela começou quando o shogun Ashikaga Yoshimasa enviou uma peça de cerâmica que havia se quebrado para ser consertada na China. Acontece que o objeto voltou tão feio, mas tão feio que ele pediu que artesãos japoneses refizessem o conserto. Usando uma mistura de laca e pó de ouro, os artesão fizeram o reparo e pra surpresa de todos, a peça ficou mais bonita do que antes.

Fiquei pensando que a gente podia agir do mesmo jeito com as brigas e rusgas dos nossos relacionamentos. Cada briga ou discussão poderia ser vista como uma oportunidade de transformar e melhorar o relacionamento e não como algo negativo. Acontece que as brigas não são vistas assim.

Pelo contrário.

Parece que a gente faz de tudo pra evitar a primeira briga, como se brigar significasse menos amor ou até mesmo a ausência dele. A gente fica mais preocupado em ganhar a discussão do que tirar algo positivo dela. Talvez a gente tenha medo de que depois de uma briga seja necessário consertar a relação, e amor de verdade, aquele perfeito, não deveria precisar de conserto pra começo de conversa, certo?

Errado.

Na arte do Kintsugi, uma rachadura não significa o fim do objeto e não precisa ser escondido. A falha é uma parte essencial dele. Brigas e discussões em relacionamentos não são coisas pra gente evitar a qualquer custo. Afinal, é conversando e discutindo — e digo discutir no sentido positivo, de conversa — que a gente cresce, aprende e descobre um jeito diferente de fazer as coisas.

Sinto que a gente vive buscando um amor perfeito, daqueles que no fundo, no fundo, a gente sabe que nunca vai ter. Mas também, quem não quer um amor fácil e perfeitinho? Todo mundo, mas a gente vive confundindo amor com paixão. Paixão é aquele momento inicial, aquela mágica. Quando você gosta de tudo que a pessoa faz e se sente no mundo das nuvens.

Amor é o que vem depois. Amor é pé no chão. Amor é Kintsugi. É abraçar as merdas que aconteceram e as que ainda vão acontecer. É querer consertar o que quebrou. É abraçar as brigas, os ciúmes, as discussões, as frustrações e fazer algo ainda mais bonito. Uma relacionamento melhor. Não é evitar as brigas, mas usar elas pra seguir em frente. Sem mágoas ou ressentimentos.

Você sabe que ama alguém quando não quer desistir na primeira rachadura e jogar tudo no chão pra quebrar de vez. Quando você fica uma hora chorando no banheiro do prédio dela jurando que vai embora pra nunca

mais voltar mas algo te impede de ir pra casa sem tentar mais uma vez. Só mais uma.

É saber que sim, você pode ficar muito bem sozinho — todo mundo pode — mas que você prefere ficar junto. E mais ainda, prefere trabalhar com a pessoa amada para consertar aquela fissura no relacionamento.

O “problema” é que agir assim exige mais esforço. A gente tem que admitir nossas falhas e também as da pessoa que a gente ama e muitas vezes coloca num pedestal. Admitir que vão ter dias que a gente vai querer correr pra longe dela pra ficar sozinho e vice-versa. Nem por isso, quer dizer que o amor diminuiu ou que não é amor de verdade. A relação pode até não ser a mesma depois de um briga. Geralmente, não é, mas isso é bom. Evolução exige mudança. Desconfio mesmo é daqueles casais que não brigam.

Certa vez, depois de um fim de namoro, desabafei com uma amiga e perguntei por que diabos eu e minha ex vivíamos brigando, por mensagem ou pessoalmente, se a gente já tinha acabado. Não era cada um pro seu lado agora? Não tinha acabado o amor?

Ela disse:

Essas brigas são vocês tentando achar um jeito de continuar.

A gente discutia, arrumava pretexto pra puxar assunto só pra mandar textões por mensagem não pra tentar cobrar o outro. Eu e ela só estávamos tentando expressar nossas frustrações ao mesmo tempo em que a gente tentava descobrir um jeito de fazer aquele relacionamento funcionar pro dois. O amor que a gente sentiu um pelo outro não tinha ido embora. Podia até ter rachado, mas a gente estava atrás da mistura de laca e pó de ouro pra tentar consertar.

Qualquer relação vai ter uma rachadura, uma briga, uma rusga. A gente não pode evitar isso mas a gente pode sim se esforçar pra consertar o que rachou. Se abrir, conversar, tentar entender as frustrações da pessoa e fazer com que ela entenda as nossas porque algo te diz, ali no fundo, que você quer ficar com aquela pessoa. Mesmo com a mania dela de cantar alto no carro e precisar ir no banheiro sempre que chega no restaurante. Ou pedir sempre uma mordida de algo que você já ofereceu e ela disse que não queria. Você quer ficar ali, mesmo com todos os trejeitos e jeitos que tornam aquela pessoa perfeitamente imperfeita.

E não importa se quebrar de novo, os dois estão ali pra consertar e fazer uma relação ainda melhor.

Mais sincera.

Mais aberta.

Mais bonita.

Mais……..Kintsugi.



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