quinta-feira, 4 de dezembro de 2014



Não sei quanto a você, mas eu sinto que nasci na era das câmeras digitais. E até esqueço o tempo em que a gente comprava o filme e levava junto uma caixinha pequena contendo o flash. Que era pré histórica aquela...
E como era chique entrar numa loja e pedir um filme trinta e seis poses_ já que o mais em conta era adquirir um filminho de 12 ou vá lá, até 24 poses_ um luxo só!
Então a gente esperava acabar tudo _ com parcimônia, sem desperdício_ e ia revelar. Nossa, que expectativa pra então perceber que ficou um arraso; que pele, que olhar... ou então que faltou luz; que podia ter fechado a perna; que o fundo estava ruim; que no dente havia um feijãozinho preto.
Mas então o mundo mudou, tudo foi ficando mais rápido, fácil, dinâmico, moderno, fugaz. E no lugar daquela câmera com rolo 24 poses e flash acoplado, temos celulares que fotografam e imediatamente postam fotos cheias de filtros e efeitos nas redes sociais. Tudo muito luxuoso, prático e indolor. E não percebemos o quanto mudamos também. Porque esquecemos o tempo em que tínhamos que esperar as 36 poses serem gastas _ com dignidade e comedimento_ para depois saber se saímos bem ou não na foto. Esquecemos como tudo era mais lento, simples, arcaico e até romântico...
Então é de se esperar que a gente acredite que a vida tenha adquirido esse molejo também. E passamos a exigir da vida _ coitada!_ o swing das câmeras digitais. E começamos a cobrar do amor_ esse culpado!_ a eficácia dos flashes embutidos. E ficamos indignados com a vida e emburrados com o amor quando eles não têm essa rapidez, categoria, design e evolução. Como se tudo fosse descartável, substituível, soft e clean. Esquecemos que os tempos mudaram, mas aqui dentro continuamos precários. Muito precários.
Por dentro ainda somos vitrolas empoeiradas que precisam de corda pra agulha funcionar e tirar algum som do vinil. Somos tão precários que buscamos nos outros aquilo que falta em nós. E falta tanta coisa... E exigimos tanto.... E temos tanta pressa... Queremos ser curados de nossas incompletudes. Curados de nossas precariedades. E quanto mais precários, mais exigentes. Coisa estranha essa, não? Nada nos completa porque nem nós mesmos nos bastamos...
Daí vem o Chico e canta lindamente: "Não se afobe não, que nada é pra já... O amor não tem pressa, ele pode esperar..."
E a gente entende que é isso mesmo.
Que é preciso paciência e até mesmo um certo trabalho
De entrega e responsabilidade
Confiança e nenhuma contabilidade.
Requer tempo.
Pra construir diariamente. Com moderação e habilidade.
Perdão e maturidade.
Pés no chão e força de vontade.
E Luis Fernando Veríssimo completa: "Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto, não se alcança o coração de alguém com pressa."
Deixar-se conquistar leva tempo também. Requer confiança e descontrole_ entrega, se você preferir. Exige desprendimento e nenhuma contabilidade. Pois se você vive contabilizando, comparando, enchendo de regras aquilo que nem chegou a ser uma relação, melhor desistir. Amor leva tempo e pouco entendimento pra ser construído.
Vivemos afobados, carentes de respostas, como se tudo na vida fosse assim, feito máquina digital. Esquecemos que lá no fundo, precisamos de corda tanto quanto nossas avós. Só que na época delas não tinha essa de "não gostei, vou deletar"... Era normal entender que o sentimento vinha aos poucos, pequeno, humilde; que devagar se transformava, modelando, revelando.
É claro que havia muita surpresa indesejada _ como a foto antiga, revelada uma semana depois_ em que a gente percebia que podia ter ficado de boca fechada e perna cruzada.
Mas havia muita coisa boa também_ que só aparecia depois de provada muita mesa e vivido algum chão. Aquilo que acontecia devagar, em etapas, como retrato em sépia que surge lentamente na revelação fotográfica e resiste às distrações da memória e artimanhas do tempo...
 Fabíola Simões.

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