quinta-feira, 5 de junho de 2014

Dormência

A vida bate-me, 
A vida arrasta-me, centrifuga-me, amassa-me, escama-me,
Sinto-me entorpecido, rígido, distante,
Olho para a beleza mas não a sinto,
Falam-me ao coração mas permaneço magoado,
Sensibilizam-me para a esperança, mas mantenho-me entrincheirado na decepção,
Que corpo é este que caminha anestesiado?
Que corpo é este que endureceu uma mente anteriormente ávida de vida, de emoção e paixão?
É um corpo humano,
Que se entristece, que se obscurece, se penaliza, se aprisiona,
É um corpo que se vai protegendo, que vai endurecendo, que vai querendo ficar imune à dor emocional,
Perde sensibilidade, perde humanidade,
Desliga-se dos seus sentidos, liga-se à dureza das suas experiências,
Experiências sofridas, injustas, traumáticas, punitivas,
Enrijecem o corpo, enrijecem-me,
Não sinto, as coisas passam-me ao lado, batem-me mas já não me magoam, ouço-as mas não me afligem a mente,
Deixei de ruminar nas perdas, deixei de reclamar no apontar do dedo, deixei de me importar,
Estou presente na vida, mas ausente de vida,
Que corpo é este?
Capaz de caminhar dormente, com a mente desvigorada, com o coração lascado,
É um corpo que segue as interpretações que faço, que julgo fazerem sentido,
É um corpo que se desconhece, que julga precisar de alienar-se para encaixar as agruras da vida,
É um corpo que desconhece e me leva a desconhecer as formas práticas e saudáveis de suportar a dor,
Quero conhecê-las, quero voltar a sentir, a sentir-me em pleno com a vida,
Voltar a mim,
Pouco a pouco quero recuperar a minha sensibilidade,
A sentir o calor do abraço, a dor da perda,
A dor de alguém que me foi querido e partiu,
Sinto a dor, suporto-a, ela é inversamente proporcional ao meu gostar, quanto mais sinto, mais gosto,
A dor da perda faz-me sentir o quanto eu gosto, gostei ou vou continuar a gostar,
Como é bom gostar de sentir, de ficar ligado com a vida,
Com as coisas boas, e as que provocam dor,
Voltei a sentir,
A sentir o pulsar da vida.

- Miguel Lucas

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