sábado, 6 de novembro de 2010

MULHER MAÇA

Mulheres são como maçãs em árvores. As melhores
estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas porque têm
medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam
no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de
conseguir. Assim, as maçãs no topo pensam que algo está errado com
elas, quando na verdade, eles estão errados. Elas têm que esperar um
pouco para o homem certo chegar, aquele que é valente o bastante para
escalar até o topo da árvore."
É fácil concordar com a teoria das maçãs, de que os homens é que
estão errados. Todo mundo sabe que somos burros e dementes.
Entretanto, quando a gente começa a pensar nas maçãs do topo que
conhecemos, às vezes umas em que escalamos a árvore e caímos lá de
cima, outras que estamos escalando hoje e só caindo, fica difícil
encarar a teoria como resposta para a tempestade sentimental que
aflige tantas mulheres-maçãs hoje em dia.
Explica-se. Quando um homem se depara com uma mulher-maçã, em geral,
o sentimento é de tristeza. Porque mesmo quando não temos condições
de sequer ousar escalar a árvore, frente a tão reluzente maçã, no
fundo a gente sabe: lá do topo, a maçã perde de aproveitar e usufruir
da própria vida, fica vendo o mundo passar, olhando para o chão à
espera do alpinista valente – ou do príncipe encantado, se preferir.
Poucas coisas nos deixam tão deprimidos quanto encontrar uma mulher
maravilhosa, uma maçã turbinada e sem conservantes, que esteja sempre
reclamando sobre a falta de namorados ou sobre relacionamentos sem-pé-
nem-cabeça.
É uma questão de escolha da maçã, uma escolha só dela. Cada uma sabe
o que faz, imagine-se. Mas isso não nos tira o direito de ficar
deprimidos mesmo assim.
Elas podem estar certas em não se deixar levar por qualquer alpinista
de árvore, porém, é preciso repensar o escopo de visão dessas maçãs
do topo. Quando elas reclamam na nossa frente, a vontade é de cavar
um buraco no chão e se enterrar. Pois é como se nós não estivéssemos
ali, às vezes até tentando escalar a árvore – apesar do medo de
altura. Já deve ter acontecido com os melhores (e piores) alpinistas.
Acontece todos os dias.
Quem gosta de observar o comportamento humano pode constatar um fato
assustador: a cada dia, aumenta exponencialmente a quantidade de
mulheres maravilhosas que não consegue encontrar uma pessoa
interessante o suficiente para compartilhar bons momentos, com ou sem
compromissos.
E quando acham que encontram, comumente ocorre duas coisas: 1) a
recíproca não é verdadeira e elas não são valorizadas como deveriam,
ou seja, como maçãs do topo; ou 2) em pouco tempo percebem que o
alpinista valente não escalou árvore coisa alguma, chegou de pára-
quedas.
com o tempo, as maçãs do topo terminam cansando de esperar. Apodrecem
no galho e, de tanto olhar os valentões colhendo apenas as maçãs
podres do chão, elas se sacodem e se atiram ao chão, para ver se são
colhidas também, às vezes por qualquer um. E depois se arrependem –
mas isso elas nunca contam.
Não percebem que, às vezes, os homens com medo de altura são tomados
por uma pretensão desconhecida, um coragem inexplicável
racionalmente, e arriscam escalar a árvore. Escalam escondidos, com
medo, devagar, mas escalam.
Desconfiamos que não colheremos fruto algum, pois, afinal, não nos
achamos valentes o bastante para desfrutar as do topo. E caímos
várias vezes. Tentamos novamente, caímos de novo. É que além de
burros, somos fracos. Inseguros para competir com os valentões que as
maçãs do topo tanto esperam.
O maior problema das mulheres-maçãs é que, aparentemente, elas não
percebem que o tempo passa, o tempo voa, e se nem a poupança
bamerindus ficou numa boa, quanto mais elas? Cedo ou tarde, maçãs
também apodrecem, às vezes sem nem cair no chão. Mais cedo do que
tarde.
Por isso também é comum a gente chegar ao topo e não encontrar uma
maçã. Acontece quando ela só tem (ou teve) olhos para o chão, não
ergueu a cabeça. É que olhando de cima para baixo há muita neblina no
meio do caminho; e é de lá que saem os alpinistas de árvore menos
preparados, aqueles que escalaram a árvore de ki-chute ou de conga.
Dá vontade de fazer ki-suco de maçã quando encontramos maçãs do topo
que ficam olhando para baixo e esquecem que estão encobertas por
neblina. Os alpinistas de conga tentam reverter os caminhos sinuosos
impostos pela natureza e vão subindo, sob o risco – porventura a
certeza – de que não chegarão ao topo, de que quebrarão a cara
novamente. Mas, sobem.
E quando eles caem e quebram a cara de vez, podem até não voltar a
subir aquela árvore, mas não olharão para as maçãs podres no chão.
voltam à floresta em busca de uma outra árvore. Cujas maçãs do topo
talvez enxerguem além da neblina.
É que não são apenas maçãs do topo que cansam de esperar. Os
alpinistas também cansam de procurar e de serem empurrados árvore
abaixo, mesmo os que escalam de conga e ki-chute.

Machado de Assis

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